Como vimos, a shabat do sétimo dia, o Yom Shabat, é um sinal eterno da aliança de Yhwh.
Yeshua HaMashiach (o ungido de Yhwh) e seus discípulos, incluindo Shaul e Stefanos (Paulo e Estevão), honraram fielmente esse dia, que reflete a criação divina, a redenção e a esperança futura.
No entanto, ao longo dos séculos, o Yom Shabat foi abandonado pela maioria das tradições cristãs, substituído pelo domingo, conhecido em diversas culturas como o “dia do sol”.
Essa mudança não foi apenas teológica, mas profundamente política, impulsionada por decisões do Império Romano, especialmente sob o imperador Constantino.
A eliminação do Yom Shabat do sétimo dia e sua substituição pelo domingo foram parte de um processo deliberado de desjudaização do cristianismo, visando unificar o império sob uma nova identidade religiosa, distinta do judaísmo e alinhada com as tradições greco-romanas.
Constantino e a unificação do Império sob uma ótica cristã.
No início do século IV, o Império Romano enfrentava instabilidade política e religiosa. Após séculos de perseguições intermitentes contra os cristãos, como a Grande Perseguição sob Diocleciano (303-313), o imperador Constantino (306-337) emergiu como uma figura central na transformação do cristianismo.
Em 312, antes da Batalha da Ponte Mílvia, Constantino teria tido uma visão de um símbolo cristão (segundo Eusebius, uma cruz de luz; segundo Lactantius, o monograma chi-rho), que ele interpretou como um sinal do Deus cristão, garantindo sua vitória.
Após derrotar Maxêncio, Constantino, junto com Licínio, promulgou o Edito de Milão em 313, que legalizou o cristianismo e devolveu propriedades confiscadas às comunidades cristãs.
Embora alguns questionem se a conversão de Constantino foi genuína ou estratégica, sua adoção do cristianismo teve motivações políticas claras: unificar o império sob uma religião que pudesse consolidar sua autoridade.
O cristianismo, com sua mensagem universal e crescente número de adeptos, era ideal para esse propósito.
No entanto, havia um problema, o cristianismo primitivo era profundamente enraizado no judaísmo, e práticas como a guarda do Yom Shabat e as leis alimentares eram vistas como um obstáculo à unificação cultural.
Para Constantino, um império unificado exigia uma religião que se distinguisse do judaísmo e se alinhasse com a cultura greco-romana, mais familiar à elite imperial.
A desjudaização do cristianismo.
Para alcançar essa unificação, Constantino promoveu a desjudaização do cristianismo, um processo que separou a nova religião de suas raízes judaicas. Esse movimento incluiu a latinização dos nomes bíblicos, a criação de uma estrutura templária semelhante às religiões greco-romanas e a substituição do Yom Shabat pelo domingo.
A guarda do Yom Shabat, associada ao judaísmo, era um lembrete constante das origens judaicas do cristianismo, algo que Constantino e os líderes eclesiásticos buscavam minimizar para tornar a religião mais aceitável às elites romanas.
Latinização dos nomes bíblicos.
Um dos sinais claros da desjudaização foi a latinização dos nomes bíblicos. Yeshua tornou-se “Jesus”, Shaul virou “Saul”, e Yohanan passou a ser “João”. Essa mudança, que começou a se consolidar no século IV, não foi apenas linguística, mas simbólica.
Ao substituir nomes hebraicos por formas latinas, a identidade judaica dos personagens bíblicos foi diluída, alinhando o cristianismo com a cultura romana.
Essa prática, apoiada pela tradução da Bíblia para o latim (a Vulgata de Jerônimo, no final do século IV), reforçou a ruptura com o judaísmo, tornando o cristianismo uma religião distinta, mais acessível à população helênica e romana.
Estrutura templária e sincretismo religioso.
O cristianismo primitivo era centrado em reuniões em casas e sinagogas, mas, sob o patrocínio de Constantino, adotou uma estrutura templária semelhante às religiões greco-romanas.
Grandes basílicas, como a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém e a Igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla, foram construídas com apoio imperial, transformando o culto cristão em algo mais próximo dos rituais greco-romanos, com altares e cerimônias solenes.
Além disso, o sincretismo religioso foi incentivado. Constantino, mesmo após sua conversão, manteve símbolos pagãos, como o deus Sol Invicto, em moedas e monumentos, refletindo uma fusão entre o cristianismo e práticas idolátricas. Essa abordagem facilitou a conversão de pagãos, mas também diluiu as práticas judaicas, como a guarda do Yom Shabat, que não tinham equivalentes nas tradições pagãs. O sincretismo tornou o cristianismo mais acessível, mas também o afastou de sua essência original, a Torá, e a adoração ao Deus Yhwh.
A substituição do Yom Shabat pelo domingo.
A mudança mais significativa foi a substituição do Yom Shabat no sétimo dia da semana, pelo domingo, o “dia do sol”, no primeiro dia da semana.
Em 321, Constantino promulgou um decreto que declarava o nosso popular domingo como um dia de descanso obrigatório em todo o império:
“Que todos os juízes, cidadãos e artesãos descansem no venerável dia do sol.” Esse decreto, embora não mencionasse explicitamente o cristianismo, foi um passo crucial para alinhar o culto cristão com a cultura romana, onde o domingo era associado ao culto do Sol Invicto.
Em 325, o Concílio de Niceia, convocado por Constantino, reforçou essa mudança. O concílio proibiu a celebração da Ceia do Senhor no dia anterior à Páscoa judaica, rompendo com a tradição judaica de alinhar a Páscoa cristã com o calendário lunissolar hebraico.
Em vez disso, adotou-se o calendário solar juliano, e o domingo passou a ser o dia oficial de culto cristão.
Essa decisão foi explicitamente antijudaica, como evidenciado pelas palavras de Constantino, que, segundo Eusebius, declarou que era “indigno” seguir o calendário judaico, pois os judeus eram considerados responsáveis pela morte de Cristo. Essa retórica antijudaica incentivou a separação entre o cristianismo e o judaísmo, e a guarda do Yom Shabat tornou-se um símbolo de resistência a essa nova ordem.
A substituição do Yom Shabat pelo domingo não foi imediata. Muitos cristãos, especialmente nas comunidades orientais, continuaram a guardar o Yom Shabat por séculos.
No entanto, o apoio imperial ao domingo, combinado com a desjudaização do cristianismo, desincentivou gradualmente a prática do Yom Shabat.
No final do século IV, sob Teodósio I, o cristianismo tornou-se a religião oficial do império com o Edito de Tessalônica (380), e as práticas judaicas, incluindo a guarda do Yom Shabat, foram cada vez mais marginalizadas.
Perseguições aos guardadores do Yom Shabat
A decisão de se criar um novo dia para a guarda cristã, em substituição ao dia separado por Yhwh, foi acompanhada de repressão contra grupos que mantinham práticas judaicas.
No Concílio de Laodiceia (c. 363-364), os cânones eclesiásticos proibiram os cristãos de “judaizar” descansando no Yom Shabat, ordenando que trabalhassem nesse dia e dessem preferência ao domingo.
O cânon 29 declara: “Os cristãos não devem judaizar descansando no shabat, mas devem trabalhar nesse dia, honrando o Dia do Senhor [domingo].”
Essa proibição indica que a guarda do Yom Shabat ainda era praticada por alguns cristãos, mas era considerada uma ameaça à uniformidade doutrinária.
Além disso, grupos como os quartodecimanos, que mantinham práticas judaicas como a celebração da Páscoa no 14º dia de Abibe (1º mês do ano no calendário da Bíblia), enfrentaram repressão.
A pressão imperial e eclesiástica para impor o domingo como o dia de culto levou à marginalização e, em alguns casos, à perseguição de comunidades que resistiam à desjudaização.
Por exemplo, Eusebius relata que cristãos que mantinham práticas judaicas em Jerusalém foram forçados a fugir durante as guerras judaico-romanas, e a influência de Constantino no Concílio de Niceia reforçou a exclusão de práticas judaicas.
Sob Teodósio I, a intolerância contra práticas divergentes intensificou-se. Leis imperiais do final do século IV proibiram cultos pagãos e heresias cristãs, e os cristãos que mantinham práticas judaicas em harmonia com a Torá e as Escrituras Sagradas, como a guarda do Yom Shabat, eram frequentemente vistos como heréticos.
Embora não haja registros claros de martírio específico por guardar o Yom Shabat, a pressão para conformidade doutrinária e a estigmatização do judaísmo criaram um ambiente hostil para esses cristãos.
Conclusão.
A eliminação do Yom Shabat no sétimo dia das práticas cristãs não foi um desenvolvimento teológico natural, mas uma decisão política orquestrada por Constantino e consolidada por seus sucessores.
A unificação do Império Romano exigia uma religião que transcendesse as divisões culturais e se alinhasse com a identidade greco-romana.
A desjudaização do cristianismo, por meio da latinização dos nomes bíblicos, da adoção de uma estrutura templária, do sincretismo religioso e da substituição do Yom Shabat pelo domingo, foi parte desse projeto.
O decreto de Constantino em 321 e as decisões do Concílio de Niceia em 325 marcaram a transição oficial do Yom Shabat para o “dia do sol”, enquanto proibições posteriores, como as do Concílio de Laodiceia, desincentivaram e marginalizaram os guardadores do Yom Shabat.
Essa transformação distanciou o cristianismo de sua raiz judaica, transformando-o em uma religião estatal institucionalizada, moldada para servir aos interesses do império.
No entanto, a shabat, como sinal eterno da aliança de Yhwh, permanece um chamado à fidelidade para aqueles que buscam honrar os mandamentos do Criador, conforme ensinado por Yeshua e seus discípulos.